28 de setembro de 2010

Sorriso Em Lábios de Carmim (do livro MARCA D'ÁGUA - Contos de Amor e Morte, 2009)

Ao som do Queen, a escuridão avançava pelos lados há mais de 120 km por hora enquanto à sua frente, os faróis iluminavam com furor a rodovia desconhecida, Luís estava só indo em direção à pequena cidade de Santa Rita do Passa Quatro, seria pela primeira vez, não conhecia, apenas de nome e não sabia o que lhe esperava. Já eram mais de meia-noite quando chegou à pequena cidade, com sua praça e ruas iluminadas timidamente, achou após alguns minutos um pequeno e simplório hotel, aonde sem pestanejar resolveu parar e se hospedar. Foi recebido por um velho senhor com mais de 70 anos, simpático e falante que se propôs de forma agradável lhe mostrar seus aposentos, simples, porém necessário para aquela noite de sonho. Uma pequena cama de solteiro, um criado-mudo e um pequeno guarda-roupa que mais lembravam terem saídos do museu do Ipiranga. A cama estava bem arrumada com antigos, mas bem limpos lençóis de algodão, o piso de taco, meio riscado, dava certa nostalgia ao local, tudo combinava perfeitamente, desde as paredes levemente caiadas até a enorme janela pintada de azul com vista para a praça e rua principal da cidade, aonde se podia notar num canto, quase que meio acanhado um divino coreto bem decorado com madeiras trabalhadas e torneadas de muito bom gosto e simplicidade. Luís gostou do que viu, deitou-se lentamente sobre aquele colchão de molas que rangeram ao receber o peso de seu corpo cansado, ajeitou com murro o pequeno travesseiro que parecia ser feito de paineira, olhou rebuscamente para o teto aonde percebeu uma pequena luminária em forma de lampião, decorando com uma pequena lâmpada aquele teto forrado de madeira com leves sinais de cupim, num tom azulado, mas levemente deformado talvez pela chuva e pelo tempo, calculou que aquele prédio deveria ter uns cem anos, nestes pensamentos, adormeceu pesadamente vencido pelo cansaço de um dia inteiro de viagem. Luís era um representante comercial de produtos de limpeza e miudezas em geral, vendia um pouco de tudo. Pela primeira vez estava ali naquela cidade, à região era nova para ele, estava substituindo seu velho amigo Osmar que havia se aposentado e deixado para ele toda a sua carteira de clientes, não era uma grande carteira, mas, como dizia Osmar, “boa gente, bons pagadores”.

O canário terra já gorjeava no alto da velha aroeira que ficava no meio da praça, assim como se ouvia ao longe um sabiá laranjeira alegremente cantarolando, podia se notar bem próximo um velho sanhaço saltitante a bicar levemente um mamão maduro. Espreguiçou-se lentamente, sentiu uma leveza estranha pelo corpo, com os pés descalços no chão, caminhou até o espelho do banheiro e notou sua expressão de sono. Rapidamente, jogou levemente uma água gelada no rosto, vestiu-se e caminhou lentamente até o saguão do pequeno hotel aonde era servido em boas e grandes porções um notável desjejum da manhã, regado por frutas, sucos, leite, café, torradas, patês e doces. Um verdadeiro festival de gostosuras. Sentou-se em uma das mesas do canto após servir-se fartamente de todos os quitutes, enquanto saboreava seu desjejum, observava uma meia dúzia de outros hospedes espalhados pelo saguão, tipos bem diferenciados e presumiu que a maioria era daquela região mesmo, somente ele era da capital, notou por diversas vezes alguns olhares de curiosidade, mas, acostumado a esta vida de viajante, ignorou por completo e se absorveu em seu café.

Deu seus primeiros passos pela cidade após uns quarenta minutos, desceu uma íngreme alameda de paralelepípedos aonde presumiu ser ali o centro do comércio da cidade, devido à enorme quantidade de lojinhas emparelhadas oferecendo um pouco de tudo. Procurou os antigos clientes de Osmar, se identificou como novo representante, e pode perceber que fora bem recebido, se simpatizou muito com os comerciantes locais, notou também que era um povo simpático e hospitaleiro, sinceramente, não estava muito acostumado a caminhar pelas ruas e ser cumprimentado por todos os desconhecidos freneticamente, estranhou de início pela manhã, ao final da tarde já estava habituado e gostava de tudo quilo, um sorriso estampava seu rosto como há muito tempo não se via, percebeu que já era por volta das seis da tarde e comércio começara a baixar suas portas, não perce-beu a velocidade das horas, se apressou em atender o último cliente, pois na manhã seguinte tomaria outro rumo, visitando a próxima cidade de seu roteiro. Ao chegar a seu último estabelecimento, foi muito bem recebido por um senhor de meia idade, falante, simpático que lhe desejou boa sorte na nova fase, após uns trinta minutos, fechou um grande pedido de produtos de limpeza, quando Luís estava saindo, topou de cara com uma doce e meiga menina, que o cumprimentou meio sem jeito, com um olhar tímido esverdeado, um sorriso contornado por belos lábios desenhados no mais belo batom carmim, suspirou e retribuiu o boa tarde, meio sem jeito, olhou para trás e pode por um canto dos olhos perceber a linda menina beijar na fronte seu novo cliente, caminhou em direção ao hotel tendo em sua memória aquele rosto lindo.

Por volta das 20:00h, depois de servido o jantar no saguão do hotel, Luís resolveu dar uma esticada pela praça, notou que a mesma estava muito movimentada e percebeu que nela havia um carrinho de pipoca com uma pequena fila se formando ao redor dela, deduziu que deveria experimen-tar e foi até o local, se colocou atrás de um casal que apaixonadamente se beijava debaixo de uma linda lua que iluminava todo o céu. Luís observava o movimento da praça sem se dar conta que atrás de si estava à menina linda que havia visto no final da tarde. Num desses surtos de bobeira, percebeu abruptamente que estava perto dela, uma sensação de dormência nos pés lhe ocorreu e ficou como se paralisado diante da possibilidade de poder conversar com ela, percebeu que ela estava com uma amiga e conversavam animadamente, virou-se e tentou puxar assunto com as duas, tentando fortuitamente não olhar diretamente naqueles olhos maravilhosos, pensava que se os fitasse diretamente teria um troço ali mesmo, conseguiu em alguns segundos tabular uma conversa com as duas bem animadas, quando chegou sua vez de pedir a pipoca, se ofereceu para pagar para as duas meninas que aceitaram, notou o porquê da fila no carrinho de pipoca, ela era sensacional com amendoins e queijo em cubinhos fritos, caminharam um pouco os três pela praça conversando animadamente como se já se conhecem há alguns anos, acharam um banco vazio debaixo de um ipê amarelo, sentaram e tabularam conversa por mais de uma hora. Luís não percebeu as horas passarem, não percebeu o movimento da praça, não percebeu as crianças correndo com seus balões coloridos cheio de gás, não percebeu que uma pequena banda formada por alguns velhos senhores, tocava animadamente fazendo para ele uma trilha sonora. Luís somente dava conta de observar os lábios e olhos daquela menina, estava estupefato diante de tanta beleza. Somente percebeu o tempo quando apressadamente, as duas se levantaram exclamando que já era tarde e seus pais deveriam estar preocupados. Luís esboça um leve ar de tristeza, e mesmo a contra gosto despede-se das duas debaixo de um céu estrelado, segura na mão da linda menina e flerta um leve beijo na face, as duas saem rindo, achando graça daquilo descendo pela ladeira, quando em desespero, Luís grita: “me diz qual o seu nome?”, enquanto que ela responde bem ao longe: “Miriam”, responde angelicalmente, enquanto sua amiga rindo confirma: “o nome dela é Miriam, ela te achou lindo”, saem ao som de gargalhadas, achando muita graça. Luís apenas observa as duas desaparecem no fim da rua, pensa continuamente: “eu também, eu também... linda menina de lábios carmim.”

Luís, a cada três meses passava pela cidade para vender seus produtos, sempre com esperança de reencontrar Miriam. Quando retornou pela última vez, soubera que seu pai havia falecido uma semana depois da sua última visita e que a família havia se mudado para Pirassununga. Tristemente Luís tentou em vão esquecer por aquele rosto lindo, mas os olhos e lábios de Miriam faziam parte de seus pensamentos por onde fosse. Dois anos se passaram desde aquela noite especial, quando Luís já denota certo esquecimento, num desses auto-postos na bei-ra da estrada, numa dessas paradas para um breve café, vislumbra de longe uma linda menina, seu coração dispara, sua respiração se torna ofegante, suas pernas tremulam e num certo ímpeto de atropelo e desespero, tenta correr em sua direção, lhe abraçar, lhe beijar e dizer a todos os cantos o quanto à ama, freia bruscamente ao notar ao seu lado uma bela senhora que presume ser sua mãe, porta nos braços um pequeno bebê envolto em um cobertor rosa, estende seus braços e o entrega para Milena que o recebe e afaga com carinho junto ao seu rosto cheio de ternura. Luís diante daquela imagem percebe uma lágrima lhe correr a face, enxuga disfarçadamente e freia seu ímpeto, calado sai dali sem ao menos olhar mais uma vez para traz, desaparece pela estrada como se fosse rumo ao infinito. Dentro do restaurante, a amiga de Miriam se aproxima, pega o bebê dos seus braços e diz: “obrigada amiga por ficar com Carolzinha enquanto fui ao toalete...”, Miriam balança a cabeça com um leve sorriso e caminham juntas em direção ao pátio onde o ônibus com destino a São Paulo as aguarda para embarque.

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